Condenações Papais ao Socialismo
Desde o século XIX, a Igreja Católica tem se posicionado contra o socialismo, comunismo, marxismo e estatolatria. Essas correntes trazem em sua raiz princípios contrários à lei natural, à família e à fé em Deus. Por isso, sucessivos papas publicaram documentos magisteriais que denunciam os erros dessas doutrinas.
O presente artigo pretende apresentar, em ordem cronológica, algumas das principais condenações papais.
Pio IX (1846–1878)
Encíclica Qui Pluribus (1846)
Este é o objetivo da nefasta doutrina do comunismo , como se costuma dizer, a mais hostil à própria lei natural; uma vez admitida, os direitos de todos, coisas, propriedade, na verdade, a própria sociedade humana, seriam fundamentalmente derrubados. Este é o objetivo das armadilhas sombrias daqueles que, em pele de cordeiro, mas com alma de lobo, se insinuam sob a falsa aparência de piedade mais pura e virtude e disciplina mais severas: eles surpreendem gentilmente, constrangem suavemente, matam secretamente; eles desviam os homens da observância de todas as religiões e causam estragos no rebanho do Senhor.
Alocução Quibus Quantisque (1849)
Isso (…) demonstra cada vez mais claramente que as reivindicações por novas instituições e o progresso tão pregados por esses homens visam unicamente perpetuar a inquietação, eliminar todo princípio de justiça, virtude, honestidade e religião; e introduzir, propagar e fazer dominar amplamente em toda parte, para o mais grave dano e ruína de toda a sociedade humana, o horrível e mais fatal sistema do Socialismo, ou mesmo do Comunismo, que é principalmente contrário à lei e à própria razão natural.
Encíclica Nostis et Nobiscum (1849)
Mas vocês não ignoram, Veneráveis Irmãos, que os principais arquitetos desta maquinação tão perversa visam, em última análise, empurrar o povo, jogado por todos os ventos de doutrinas perversas, a subverter toda a ordem das coisas humanas e arrastá-lo para os sistemas execráveis do novo Socialismo e Comunismo."
E quanto a esses sistemas e doutrinas corruptos, já é do conhecimento de todos que eles, abusando dos nomes de liberdade e igualdade, procuram insinuar nas pessoas comuns os princípios perniciosos do Socialismo e do Comunismo. É também evidente que os próprios mestres do Comunismo e do Socialismo , embora atuem por maneiras e métodos diferentes, têm em última análise este propósito comum: garantir que os trabalhadores e outros homens de condição inferior, enganados por suas mentiras e iludidos pela promessa de uma vida mais confortável, sejam agitados em constante turbulência e gradualmente se treinem para crimes mais sérios; eles pretendem então fazer uso de seu trabalho para derrubar o governo de qualquer autoridade superior, para roubar, saquear e invadir primeiro a propriedade da Igreja e depois a de todos os outros; finalmente, para violar todos os direitos divinos e humanos, destruindo o culto divino e subvertendo toda a estrutura da sociedade civil.
Leão XIII (1878–1903)
Encíclica Quod Apostolici Muneris (1878)
Mas vocês não têm dificuldade em entender, Veneráveis Irmãos, que estamos falando daquela seita de homens que são chamados por vários nomes quase bárbaros, Socialistas, Comunistas ou Niilistas, e que, espalhados por todo o mundo e unidos por uma aliança injusta, não buscam mais proteção contra a escuridão dos conventos ocultos, mas, vindo aberta e confiantemente para a luz, se esforçam para completar o plano que há muito começaram, arrancando as fundações de toda sociedade civil.
Finalmente, está claro para todos com que palavras muito sérias e com que firmeza e constância de espírito Nosso glorioso predecessor Pio IX, tanto em suas Alocuções quanto em suas Cartas Encíclicas aos Bispos do mundo inteiro, lutou contra as simpatias iníquas das seitas e, especificamente, contra a praga do Socialismo que agora estava irrompendo entre elas.
Pois, embora os socialistas, abusando do próprio Evangelho, estejam acostumados a distorcê-lo para se adequar à sua própria opinião a fim de enganar os incautos mais facilmente, ainda assim há uma dissensão tão grande entre seus dogmas perversos e o ensinamento mais puro de Cristo que não existe dissensão maior: Pois que sociedade tem a justiça com a iniquidade? Ou que sociedade tem a luz com as trevas? (2 Cor., VI, 14)... Contudo, a desigualdade de direitos e poderes emana do próprio Autor da natureza, de quem toda a paternidade no céu e na terra recebe o nome (Ef 3:15).
Pois vocês sabem, Veneráveis Irmãos, que a natureza correta desta sociedade, de acordo com a necessidade da lei natural, repousa principalmente na união indissolúvel do homem e da mulher… Vocês também sabem que ela está quase dissolvida pelas exigências do Socialismo; pois, tendo perdido a firmeza que lhe é restaurada pelo casamento religioso, é necessário que o poder do pai sobre sua prole, e os deveres da prole para com seus pais, sejam grandemente relaxados.
Pois enquanto os socialistas apresentam o direito de propriedade como uma invenção humana, repugnante à igualdade natural dos homens, e, embora desejem uma comunidade de bens, acreditam que a pobreza não deve ser tolerada com equanimidade, e que as posses e direitos dos ricos podem ser violados impunemente, a Igreja reconhece muito mais plena e utilmente a desigualdade entre os homens… e ordena que o direito de propriedade e posse, que vem da própria natureza, permaneça intacto e inviolável para todos.
E, sabendo que a Igreja de Cristo possui uma virtude tão grande para afastar a praga do socialismo, virtude que não se encontra nem nas leis humanas, nem nas restrições dos magistrados, nem nas armas dos soldados, que a própria Igreja, ao ser finalmente restaurada à sua condição e liberdade, poderá exercer de modo plenamente salutar em benefício de toda a sociedade humana.
Encíclica Rerum Novarum (1891)
- Os Socialistas, para curar este mal, instigam nos pobres o ódio invejoso contra os que possuem, e pretendem que toda a propriedade de bens particulares deve ser suprimida, que os bens dum indivíduo qualquer devem ser comuns a todos, e que a sua administração deve voltar para - os Municípios ou para o Estado. Mediante esta transladação das propriedades e esta igual repartição das riquezas e das comodidades que elas proporcionam entre os cidadãos, lisonjeiam-se de aplicar um remédio eficaz aos males presentes. Mas semelhante teoria, longe de ser capaz de pôr termo ao conflito, prejudicaria o operário se fosse posta em prática. Pelo contrário, é sumamente injusta, por violar os direitos legítimos dos proprietários, viciar as funções do Estado e tender para a subversão completa do edifício social.
Assim, esta conversão da propriedade particular em propriedade colectiva, tão preconizada pelo socialismo, não teria outro efeito senão tornar a situação dos operários mais precária, retirando-lhes a livre disposição do seu salário e roubando-lhes, por isso mesmo, toda a esperança e toda a possibilidade de engrandecerem o seu património e melhorarem a sua situação.
E não se apele para a providência do Estado, porque o Estado é posterior ao homem, e antes que ele pudesse formar-se, já o homem tinha recebido da natureza o direito de viver e proteger a sua existência
Assim, substituindo a providência paterna pela providência do Estado, os socialistas vão contra a justiça natural e quebram os laços da família.
Por tudo o que Nós acabamos de dizer, se compreende que a teoria socialista da propriedade colectiva deve absolutamente repudiar-se como prejudicial àqueles membros a que se quer socorrer, contrária aos direitos naturais dos indivíduos, como desnaturando as funções do Estado e perturbando a tranquilidade pública. Fique, pois, bem assente que o primeiro fundamento a estabelecer por todos aqueles que querem sinceramente o bem do povo é a inviolabilidade da propriedade particular.
- O primeiro princípio a pôr em evidência é que o homem deve aceitar com paciência a sua condição: é impossível que na sociedade civil todos sejam elevados ao mesmo nível. É, sem dúvida, isto o que desejam os Socialistas; mas contra a natureza todos os esforços são vãos. Foi ela, realmente, que estabeleceu entre os homens diferenças tão multíplices como profundas; diferenças de inteligência, de talento, de habilidade, de saúde, de força; diferenças necessárias, de onde nasce espontaneamente a desigualdade das condições.
Encíclica Graves de Communi Re (1891)
- Logo no início do Nosso pontificado, apontamos claramente qual era o perigo que confrontava a sociedade nesse aspecto, e julgamos ser Nosso dever alertar os católicos, em linguagem inequívoca,(1) quão grande era o erro oculto nas declarações do socialismo, e quão grande era o perigo que ameaçava não apenas suas posses temporais, mas também sua moralidade e religião.
É claro, portanto, que não há nada em comum entre a Democracia Social e a Democracia Cristã. Elas diferem uma da outra tanto quanto a seita do socialismo difere da profissão do cristianismo.
Pio XI (1922–1939)
Encíclica Quadragesimo Anno (1931)
Não pediu auxílio nem ao liberalismo nem ao socialismo, pois que o primeiro se tinha mostrado de todo incapaz de resolver convenientemente a questão social, e o segundo propunha um remédio muito pior que o mal, que lançaria a sociedade em perigos mais funestos.
Veneráveis Irmãos e Amados Filhos, sabeis que Nosso Predecessor, de feliz memória, defendeu vigorosamente o direito de propriedade contra os princípios dos Socialistas de seu tempo, mostrando que sua abolição não traria vantagem à classe trabalhadora, mas, ao contrário, lhes causaria extremo prejuízo.
- O Socialismo, contra o qual Nosso Predecessor, Leão XIII, teve especialmente que se insurgir, desde então mudou não menos profundamente do que a forma da vida econômica. Pois o Socialismo, que naquela época poderia ser considerado quase um sistema único e que mantinha ensinamentos definidos reunidos em um corpo de doutrina, desde então se dividiu principalmente em duas vertentes, frequentemente em oposição entre si e até amargamente hostis, sem que, no entanto, nenhuma delas abandonasse uma posição fundamentalmente contrária à verdade cristã, característica do Socialismo.
Embora, portanto, consideremos supérfluo advertir os filhos retos e fiéis da Igreja sobre o caráter ímpio e iníquo do Comunismo, não podemos, contudo, sem profunda tristeza, contemplar a negligência daqueles que aparentemente desdenham esses perigos iminentes e, com inércia preguiçosa, permitem a ampla propagação de doutrinas que buscam, por meio da violência e do massacre, destruir completamente a sociedade. Mais gravemente ainda merece condenação a loucura daqueles que negligenciam remover ou modificar as condições que inflamam as mentes dos povos e preparam o caminho para a derrubada e destruição da sociedade.
- No entanto, que ninguém pense que todos os grupos ou facções socialistas que não são comunistas tenham, sem exceção, recuperado o juízo a esse ponto, seja de fato ou apenas no nome. Na maior parte, eles não rejeitam a luta de classes ou a abolição da propriedade, apenas os modificam em certa medida. Agora, se esses falsos princípios são modificados e, em certa medida, apagados do programa, surge a questão — ou, antes, é levantada sem fundamento por alguns — se os princípios da verdade cristã não poderiam também ser modificados em certo grau e temperados de modo a encontrar o Socialismo a meio caminho e, por assim dizer, chegar a um acordo com ele. Alguns se deixam seduzir pela tola esperança de que os socialistas, dessa forma, seriam atraídos para nós. Esperança vã! Aqueles que desejam ser apóstolos entre os socialistas devem professar a verdade cristã inteira e completa, de maneira aberta e sincera, e não conivente com o erro de forma alguma. Se realmente desejam ser arautos do Evangelho, que se esforcem acima de tudo para mostrar aos socialistas que as reivindicações socialistas, na medida em que forem justas, são muito mais fortemente apoiadas pelos princípios da fé cristã e promovidas de forma muito mais eficaz pelo poder da caridade cristã.
- Mas e se o Socialismo tiver realmente sido tão temperado e modificado quanto à luta de classes e à propriedade privada, de modo que não haja mais nada a censurar nesses pontos? Teria, com isso, renunciado à sua natureza contraditória à religião cristã? Esta é a questão que mantém muitas mentes em suspense. E numerosos são os católicos que, embora compreendam claramente que os princípios cristãos nunca podem ser abandonados ou diminuídos, parecem voltar seus olhos para a Santa Sé e suplicar fervorosamente que Nós decidamos se essa forma de Socialismo se recuperou o suficiente das falsas doutrinas para poder ser aceita sem o sacrifício de qualquer princípio cristão e, em certo sentido, ser “batizada”. Para que Nós, em conformidade com Nossa solicitude paternal, possamos responder a suas petições, fazemos esta proclamação: Seja considerado como doutrina, fato histórico ou movimento, o Socialismo, se permanece verdadeiramente Socialismo, mesmo depois de ter cedido à verdade e à justiça nos pontos que mencionamos, não pode ser reconciliado com os ensinamentos da Igreja Católica, pois seu conceito de sociedade é totalmente estranho à verdade cristã.
- Pois, segundo o ensino cristão, o homem, dotado de natureza social, é colocado nesta terra para que, vivendo em sociedade e sob uma autoridade ordenada por Deus, possa cultivar e desenvolver plenamente todas as suas faculdades para a glória de seu Criador; e que, cumprindo fielmente os deveres de seu ofício ou vocação, obtenha para si a felicidade temporal e, ao mesmo tempo, eterna. O Socialismo, por outro lado, ignorando totalmente e de forma indiferente esse sublime fim do homem e da sociedade, afirma que a associação humana foi instituída apenas para vantagens materiais.
- Pelo fato de que os bens são produzidos mais eficientemente por uma divisão adequada do trabalho do que pelos esforços dispersos dos indivíduos, os socialistas inferem que a atividade econômica, cujos fins materiais são os únicos considerados, deve necessariamente ser realizada de forma coletiva. Por essa necessidade, afirmam que os homens são obrigados, no que se refere à produção de bens, a se submeter inteiramente à sociedade. De fato, a posse da maior quantidade possível de coisas que servem às vantagens da vida é considerada de tamanha importância que os bens superiores do homem, não excetuando a liberdade, devem ocupar um lugar secundário e até mesmo ser sacrificados às exigências da produção mais eficiente. Esse dano à dignidade humana, sofrido no processo “socializado” de produção, será facilmente compensado, dizem eles, pela abundância de bens produzidos socialmente que serão distribuídos livremente aos indivíduos para seus confortos e desenvolvimento cultural. Portanto, a sociedade, tal como concebida pelo Socialismo, de um lado não pode existir nem ser pensada sem o uso obviamente excessivo da força; por outro lado, promove uma liberdade igualmente falsa, pois não há nela lugar para a verdadeira autoridade social, que não se fundamenta em vantagens materiais, mas desce de Deus, Criador e fim último de todas as coisas.
- Se o Socialismo, como todos os erros, contém alguma verdade (o que, além disso, os Soberanos Pontífices nunca negaram), ele se baseia, no entanto, em uma teoria da sociedade humana peculiar a si mesmo e irreconciliável com o verdadeiro Cristianismo. Socialismo religioso, socialismo cristão, são termos contraditórios; ninguém pode ser ao mesmo tempo um bom católico e um verdadeiro socialista.
- Todas essas advertências, renovadas e confirmadas por Nossa autoridade solene, devem igualmente ser aplicadas a um certo novo tipo de atividade socialista, até agora pouco conhecida, mas agora praticada por muitos grupos socialistas. Ela se dedica, acima de tudo, ao treinamento da mente e do caráter. Sob o disfarce de afeto, tenta especialmente atrair crianças de tenra idade e conquistá-las para si, embora também envolva toda a população em seu alcance, a fim de produzir, finalmente, verdadeiros socialistas que moldariam a sociedade humana segundo os princípios do Socialismo.
- Desde que em Nossa Encíclica, A Educação Cristã da Juventude, ensinamos plenamente os princípios que a educação cristã insiste em seguir e os fins que persegue, a contradição entre esses princípios e fins e as atividades e objetivos desse socialismo que permeia a moralidade e a cultura é tão clara e evidente que não se requer demonstração aqui.
Convocamos também o Comunismo e o Socialismo novamente ao juízo e encontramos que todas as suas formas, mesmo as mais modificadas, se afastam consideravelmente dos preceitos do Evangelho.
Encíclica Non abbiamo bisogno (1931)
Nós, pelo contrário, Nós, a Igreja, a religião, os fiéis católicos (e não apenas o Romano Pontífice), não podemos ser gratos àquele que, depois de ter combatido o socialismo e a maçonaria, nossos inimigos declarados (mas não apenas nossos), lhes abriu uma ampla entrada, como todo o mundo vê e deplora, e permitiu que se tornassem tanto mais fortes e perigosos quanto mais dissimulados e favorecidos pelo novo contexto.
Estamos, portanto, diante de um conjunto de afirmações autênticas e de fatos não menos autênticos, que colocam fora de dúvida a intenção já em grande parte executada de monopolizar inteiramente a juventude, desde a primeira infância até a idade adulta, para a vantagem plena e exclusiva de um partido ou de um regime, sobre a base de uma ideologia que se resolve explicitamente numa verdadeira estatolatria pagã, em aberta contradição tanto com os direitos naturais da família quanto com os direitos sobrenaturais da Igreja.
Uma concepção que faz pertencer ao Estado as gerações juvenis inteiramente e sem exceção, desde a primeira infância até a idade adulta, é inconciliável para um católico com a verdadeira doutrina católica; e não é menos inconciliável com o direito natural da família; para um católico é inconciliável com a doutrina católica pretender que a Igreja, o Papa, deva se limitar às práticas exteriores da religião (a Missa e os Sacramentos) e que todo o restante da educação pertença ao Estado...
E assim à Igreja de Deus, que nada disputa ao Estado daquilo que pertence ao Estado, não se deixará de reconhecer o que lhe cabe: a educação e a formação cristã da juventude, não por concessão humana, mas por mandato divino, e que ela, por conseguinte, deve sempre reivindicar e sempre reivindicará com uma insistência e intransigência que não podem cessar nem ceder, porque não provém de nenhuma concessão, nem de um conceito humano, nem de um cálculo humano, nem de ideologias humanas que mudam com os tempos e os lugares, mas de uma disposição divina e inviolável.
Encíclica Divinis Redemptoris (1937)
- Vós, sem dúvida, Veneráveis Irmãos, já percebestes de que perigo ameaçador falamos: é do comunismo, denominado bolchevista e ateu, que se propõe como fim peculiar revolucionar radicalmente a ordem social e subverter os próprios fundamentos da civilização cristã.
- Mas diante destas ameaçadoras tentativas, não podia calar-se nem de fato se calou a Igreja Católica. Não se calou esta Sé Apostólica, que muito bem conhece que tem por missão peculiar defender a verdade, a justiça e todos os bens imortais, que o comunismo despreza e impugna. Já desde os tempos em que certas classes de eruditos pretenderam libertar a civilização e cultura humanística dos laços da religião e da moral, os Nossos Predecessores julgaram que era seu dever chamar a atenção do mundo, em termos bem explícitos, para as conseqüências da descristianização da sociedade humana. E pelo que diz respeito aos erros dos comunistas, já em 1846, o Nosso Predecessor de feliz memória, Pio IX, os condenou solenemente, e confirmou depois essa condenação no Sílabo.
Até os mais encarniçados inimigos da Igreja, que desde Moscou, sua capital, dirigem esta luta contra a civilização cristã, até eles mesmos, com seus ataques ininterruptos, dão testemunho, não tanto por palavras como por atos, que o Sumo Pontificado, ainda em nossos tempos, não só não cessou de tutelar com toda a fidelidade o santuário da religião cristã, mas tem dado voz de alarme contra o enorme perigo comunista, com mais freqüência e maior força persuasiva que nenhum outro poder público deste mundo.
- A doutrina comunista que em nossos dias se apregoa, de modo muito mais acentuado que outros sistemas semelhantes do passado, apresenta-se sob a máscara de redenção dos humildes. E um pseudo-ideal de justiça, de igualdade e de fraternidade universal no trabalho de tal modo impregna toda a sua doutrina e toda a sua atividade dum misticismo hipócrita, que as multidões seduzidas por promessas falazes e como que estimuladas por um contágio violentíssimo lhes comunica um ardor e entusiasmo irreprimível...
- Além disso, o comunismo despoja o homem da sua liberdade na qual consiste a norma da sua vida espiritual; e ao mesmo tempo priva a pessoa humana da sua dignidade, e de todo o freio na ordem moral, com que possa resistir aos assaltos do instinto cego. E, como a pessoa humana, segundo os devaneios comunistas, não é mais do que, para assim dizermos, uma roda de toda a engrenagem, segue-se que os direitos naturais, que dela procedem, são negados ao homem indivíduo, para serem atribuídos à coletividade.
- Aqui tendes, Veneráveis Irmãos, diante dos olhos do espírito, a doutrina que os comunistas bolchevistas e ateus pregam à humanidade como novo evangelho, e mensagem salvadora de redenção! Sistema cheio de erros e sofismas, igualmente oposto à revelação divina e à razão humana; sistema que, por destruir os fundamentos da sociedade, subverte a ordem social, que não reconhece a verdadeira origem, natureza e fim do Estado; que rejeita enfim e nega os direitos, a dignidade e a liberdade da pessoa humana.
- Outro auxiliar poderoso, que contribui para a avançada do comunismo, é sem dúvida a conspiração do silêncio na maior parte da imprensa mundial, que não se conforma com os princípios católicos. Conspiração dizemos: porque aliás, não se explica facilmente como é que uma imprensa, tão ávida de esquadrinhar e publicar até os mínimos incidentes da vida cotidiana, sobre os horrores perpetrados na Rússia, no México e numa grande parte de Espanha pode guardar, há tanto tempo, absoluto silêncio; e da seita comunista, que domina em Moscou e tão largamente se estende pelo universo em poderosas organizações, fala tão pouco. Mas todos sabem que esse silêncio é em grande parte devido a exigências duma política, que não segue inteiramente os ditames da prudência civil; e é aconselhável e favorecido por diversas forças ocultas que já há muito porfiam por destruir a ordem social cristã.
- Entretanto, aí estão à vista os deploráveis frutos dessa propaganda fanática. Porque, onde quer que os comunistas conseguiram radicar-se e dominar, - e aqui pensamos com particular afeto paterno nos povos da Rússia e do México, - aí, como eles próprios abertamente o proclamam, por todos os meios se esforçaram por destruir radicalmente os fundamentos da religião e da civilização cristãs, e extinguir completamente a sua memória no coração dos homens, especialmente da juventude. Bispos e sacerdotes foram desterrados, condenados a trabalhos forçados, fuzilados, ou trucidados de modo desumano; simples leigos, tornados suspeitos por terem defendido a religião, foram vexados, tratados como inimigos, e arrastados aos tribunais e às prisões.
- Até em países, onde - como sucede na Nossa amadíssima Espanha - não conseguiu ainda a peste e o flagelo comunista produzir todas as calamidades dos seus erros, desencadeou contudo, infelizmente, uma violência furibunda e irrompeu em funestíssimos atentados. Não é esta ou aquela igreja destruída, este ou aquele convento arruinado; mas, onde quer que lhes foi possível, todos os templos, todos os claustros religiosos, e ainda quaisquer vestígios da religião cristã, posto que fossem monumentos insignes de arte e de ciência, tudo foi destruído até os fundamentos! E não se limitou o furor comunista a trucidar bispos e muitos milhares de sacerdotes, religiosos e religiosas, alvejando dum modo particular aqueles e aquelas que se ocupavam dos operários e dos pobres; mas fez um número muito maior de vítimas em leigos de todas as classes, que ainda agora vão sendo imolados em carnificinas coletivas, unicamente por professarem a fé cristã, ou ao menos por serem contrários ao ateísmo comunista. E esta horripilante mortandade é perpetrada com tal ódio e tais requintes de crueldade e selvajaria, que não se julgariam possíveis em nosso século.
- E antes de mais nada importa observar que acima de todas as demais realidades, está o sumo, único e supremo Espírito, Deus, Criador onipotente de todo o universo, Juiz sapientíssimo e justíssimo de todos os homens. Este Ser supremo, que é Deus, é a refutação e condenação mais absoluta das impudentes e mentirosas falsidades do comunismo.
E assim, enquanto a doutrina comunista de tal maneira diminui a pessoa humana, que inverte os termos das relações entre o homem e a sociedade, a razão, pelo contrário, e a revelação divina elevam-na a tão sublimes alturas.
O próprio Criador regulou esta mútua relação nas suas linhas fundamentais, e é injusta a usurpação, que o comunismo se arroga, de impor, em lugar da lei divina baseada nos imutáveis princípios da verdade e da caridade, um programa político de partido, que promana do capricho humano e ressuma ódio.
Não haveria nem socialismo nem comunismo, se os que governam os povos não tivessem desprezado os ensinamentos e as maternais advertências da Igreja;
- Sobre este ponto insistimos na Nossa Alocução, de 12 de maio do ano passado, mas julgamos necessário, Veneráveis Irmãos, chamar de novo sobre ele, de modo particular, a vossa atenção. Ao princípio, o comunismo mostrou-se tal qual era em toda a sua perversidade; mas bem depressa se capacitou de que desse modo afastava de si os povos; e por isso mudou de tática e procura atrair as multidões com vários enganos, ocultando os seus desígnios sob a máscara de ideais, em si bons e atraentes. Assim, vendo o desejo geral de paz, os chefes do comunismo fingem ser os mais zelosos fautores e propagandistas do movimento a favor da paz mundial; mas ao mesmo tempo excitam a uma luta de classes que faz correr rios de sangue, e, sentindo que não têm garantias internas de paz, recorrem a armamentos ilimitados. Assim, sob vários nomes que nem por sombras aludem ao comunismo, fundam associações e periódicos que servem depois unicamente para fazerem penetrar as suas idéias em meios, que doutra forma lhe não seriam facilmente acessíveis, procuram até com perfídia infiltrar-se em associações católicas e religiosas. Assim, em outras partes, sem renunciarem um ponto a seus perversos princípios, convidam os católicos a colaborar com eles no campo chamado humanitário e caritativo, propondo às vezes, até coisas completamente conformes ao espírito cristão e à doutrina da Igreja. Em outras partes levam a hipocrisia até fazer crer que o comunismo, em países de maior fé e de maior cultura, tomará outro aspecto mais brando, não impedirá o culto religioso e respeitará a liberdade das consciências. Há até quem, reportando-se a certas alterações recentemente introduzidas na legislação soviética, deduz que o comunismo está em vésperas de abandonar o seu programa de luta contra Deus.
- Procurai, Veneráveis Irmãos, que os fiéis não se deixem enganar! O comunismo é intrinsecamente perverso e não se pode admitir em campo nenhum a colaboração com ele, da parte de quem quer que deseje salvar a civilização cristã. E, se alguns, induzidos em erro, cooperassem para a vitória do comunismo no seu país, seriam os primeiros a cair como vítimas do seu erro; e quanto mais se distinguem pela antiguidade e grandeza da sua civilização cristã as regiões aonde o comunismo consegue penetrar, tanto mais devastador lá se manifesta o ódio dos “sem-Deus”.
Por toda a parte se faz hoje um angustioso apelo às forças morais e espirituais; e com toda a razão, porque o mal que se deve combater é antes de tudo, considerado em sua primeira origem, um mal de natureza espiritual, e desta fonte é que brotam, por uma lógica diabólica, todas as monstruosidades do comunismo
Encíclica Mit brennender Sorge (1937)
- Aquele que exalta a raça, ou o povo, ou o Estado, ou uma forma particular de Estado, ou os detentores do poder, ou qualquer outro valor fundamental da comunidade humana – por mais necessária e honrada que seja sua função nas coisas terrenas – e eleva essas noções acima de seu valor adequado, divinizando-as a um nível idólatra, distorce e perverte uma ordem do mundo planejada e criada por Deus; está longe da verdadeira fé em Deus e do conceito de vida que essa fé sustenta.
Pio XII (1939–1958)
Encíclica _Summi Pontificatus (1939)
- Considerar o Estado como fim a que tudo deve ser dirigido e subordinado, seria o mesmo que prejudicar a verdadeira e duradoura prosperidade das nações. E dá-se isso quando tal domínio ilimitado seja atribuído ao Estado, como mandatário da nação, do povo ou até de uma classe, ou quando o Estado o pretende, como senhor absoluto, independentemente de qualquer mandato.
- Com efeito, se o Estado se arroga e dispõe das iniciativas privadas, estas, que são governadas por delicadas e complexas normas internas, que garantem e asseguram alcançar o fim que lhes é próprio, vêem-se danificadas com desvantagem do bem público, por serem destacadas do seu ambiente natural, ou seja da responsabilidade ativa particular.
- Também a primeira e essencial célula da sociedade, a família, com o seu bem-estar e desenvolvimento, correria então o risco de ser considerada pertença exclusiva do poder nacional, esquecendo-se assim que o homem e a família são, por natureza, anteriores ao Estado e que a ambos deu o Criador forças e direitos, comando-lhes também uma missão correspondente às incontestáveis exigências naturais de cada um.
- A concepção que atribui ao Estado uma autoridade ilimitada, veneráveis irmãos, não é somente um erro pernicioso à vida interna das nações, à sua prosperidade e ao maior incremento do seu bem-estar, mas prejudica também as relações entre os povos, rompendo a unidade da sociedade supernacional, tirando a base e o valor ao direito das gentes, abrindo caminho à violação dos direitos alheios e tornando difícil o acordo para a convivência pacífica.
Decretum Contra Communismum (1949)
Pergunta 1:
Acaso é lícito dar o nome ou prestar favor aos partidos comunistas?
Resposta:
Não. O comunismo é materialista e anticristão; os líderes comunistas, embora às vezes afirmem em palavras não se opor à religião, demonstram, tanto na doutrina quanto na ação, serem abertamente hostis a Deus, à verdadeira religião e à Igreja de Cristo.
Pergunta 2:
Acaso é lícito publicar, propagar ou ler livros, jornais ou folhetos que defendam a ação ou a doutrina dos comunistas, ou escrever neles?
Resposta:
Não. Estes atos são proibidos por direito próprio.
Pergunta 3:
Se os cristãos realizarem conscientemente e livremente as ações mencionadas nos números 1 e 2, podem ser admitidos aos sacramentos?
Resposta:
Não, de acordo com os princípios ordinários sobre a negação dos sacramentos àqueles que não estão devidamente dispostos.
Pergunta 4:
Se os fiéis de Cristo declaram abertamente a doutrina materialista e anticristã dos comunistas, e principalmente a defendem ou propagam, caem “ipso facto” em excomunhão reservada especialmente à Sé Apostólica?
Resposta:
Sim.
Encíclica Ad Apostolorum principis (1958)
- Essa – como já foi dito várias vezes – teria a finalidade de unir o clero e fiéis em nome do amor à pátria e à religião, para propagar o espírito patriótico, defender a paz entre os povos e, ao mesmo tempo, cooperar na "construção do socialismo" já estabelecido no país, também para ajudar as autoridades civis a aplicar a assim chamada política de liberdade religiosa. Mas é já por demais claro que sob essas expressões de paz e de patriotismo que poderiam enganar os ingênuos, o movimento que se diz patriótico propugna teses e promove iniciativas que miram a bem precisas finalidades perniciosas.
João XXIII (1958–1963)
Encíclica Mater et Magistra (1961)
- A propriedade privada, mesmo dos bens produtivos, é um direito natural que o Estado não pode suprimir. Consigo, intrinsecamente, comporta uma função social, mas é igualmente um direito, que se exerce em proveito próprio e para bem dos outros.
- Entre comunismo e cristianismo, o pontífice declara novamente que a oposição é radical, e acrescenta não se poder admitir de maneira alguma que os católicos adiram ao socialismo moderado: quer porque ele foi construído sobre uma concepção da vida fechada no temporal, com o bem-estar como objetivo supremo da sociedade; quer porque fomenta uma organização social da vida comum tendo a produção como fim único, não sem grave prejuízo da liberdade humana; quer ainda porque lhe falta todo o princípio de verdadeira autoridade social.
Paulo VI (1963–1978)
Carta Apostólica Octogesima Adveniens (1971)
Não compete nem ao Estado, nem sequer aos partidos políticos, que estariam fechados sobre si mesmos, procurar impor uma ideologia, por meios que viessem a redundar em ditadura dos espíritos, a pior de todas.
- Também para o cristão é válido que, se ele quiser viver a sua fé numa ação política, concebida como um serviço, não pode, sem se contradizer a si mesmo, aderir a sistemas ideológicos ou políticos que se oponham radicalmente, ou então nos pontos essenciais, à sua mesma fé e à sua concepção do homem: nem à ideologia marxista, ou ao seu materialismo ateu, ou à sua dialética da violência, ou, ainda, àquela maneira como ele absorve a liberdade individual na coletividade, negando, simultaneamente, toda e qualquer transcendência ao homem e à sua história, pessoal e coletiva...
- Há cristãos, hoje em dia, que se sentem atraídos pelas correntes socialistas e pelas suas diversas evoluções. Eles procuram descobrir aí um certo número de aspirações, que acalentam em si mesmos, em nome da sua fé. Em determinado momento têm a sensação de estar inseridos numa corrente histórica e querem realizar aí a sua ação. Mas sucede que, conforme os continentes e as culturas, esta corrente histórica assume formas diversas, sob um mesmo vocábulo; contudo, tal corrente foi e continua a ser, em muitos casos, inspirada por ideologias incompatíveis com a fé cristã. Impõe-se, por conseguinte um discernimento atento. Muito freqüentemente, os cristãos atraídos pelo socialismo têm tendência para o idealizar, em termos muito genéricos, aliás: desejo de justiça, de solidariedade e de igualdade. Eles recusam-se a reconhecer as pressões dos movimentos históricos socialistas, que permanecem condicionados pelas suas ideologias de origem.
- Se nesta gama do marxismo, tal como ele é vivido concretamente, se podem distinguir estes diversos aspectos e as questões que eles levantam aos cristãos para a reflexão e para a ação, seria ilusório e perigoso mesmo, chegar-se ao ponto de esquecer a ligação íntima que os une radicalmente, e de aceitar os elementos de análise marxista sem reconhecer as suas relações com a ideologia, e ainda, de entrar na prática da luta de classes e da sua interpretação marxista, esquecendo-se de atender ao tipo de sociedade totalitária e violenta, a que conduz este processo.
João Paulo II (1978–2005)
Encíclica Centesimus Annus (1991)
- Aprofundando agora a reflexão delineada, e fazendo ainda referência ao que foi dito nas Encíclicas Laborem exercens e Sollicitudo rei socialis, é preciso acrescentar que o erro fundamental do socialismo é de carácter antropológico.
Luta de classes em sentido marxista e militarismo têm, portanto, a mesma raiz: o ateísmo e o desprezo da pessoa humana, que fazem prevalecer o princípio da força sobre o da razão e do direito.
- No fim da II Guerra Mundial, porém, um tal desenvolvimento está ainda em formação nas consciências, e o dado mais saliente é o estender-se do totalitarismo comunista sobre mais de metade da Europa e parte do mundo.
O marxismo tinha prometido desenraizar do coração do homem a necessidade de Deus, mas os resultados demonstram que não é possível consegui-lo sem desordenar o coração.
Em passado recente, o desejo sincero de se colocar da parte dos oprimidos e de não ser lançado fora do curso da história induziu muitos crentes a procurar de diversos modos um compromisso impossível entre marxismo e cristianismo. O tempo presente, enquanto supera tudo o que havia de caduco nessas tentativas, convida a reafirmar a positividade de uma autêntica teologia da libertação humana integral.
Ora a experiência histórica dos Países socialistas demonstrou tristemente que o colectivismo não suprime a alienação, antes a aumenta, enquanto a ela junta ainda a carência das coisas necessárias e a ineficácia econômica.
- Voltando agora à questão inicial, pode-se porventura dizer que, após a falência do comunismo, o sistema social vencedor é o capitalismo e que para ele se devem encaminhar os esforços dos Países que procuram reconstruir as suas economias e a sua sociedade? É, porventura, este o modelo que se deve propor aos Países do Terceiro Mundo, que procuram a estrada do verdadeiro progresso econômico e civil?
A resposta apresenta-se obviamente complexa. Se por «capitalismo» se indica um sistema econômico que reconhece o papel fundamental e positivo da empresa, do mercado, da propriedade privada e da consequente responsabilidade pelos meios de produção, da livre criatividade humana no sector da economia, a resposta é certamente positiva, embora talvez fosse mais apropriado falar de «economia de empresa», ou de «economia de mercado», ou simplesmente de «economia livre». Mas se por «capitalismo» se entende um sistema onde a liberdade no sector da economia não está enquadrada num sólido contexto jurídico que a coloque ao serviço da liberdade humana integral e a considere como uma particular dimensão desta liberdade, cujo centro seja ético e religioso, então a resposta é sem dúvida negativa.
A esta concepção opôs-se, nos tempos modernos, o totalitarismo, que, na forma marxista-leninista, considera que alguns homens, em virtude de um conhecimento mais profundo das leis de desenvolvimento da sociedade, por uma situação particular de classe ou pelo contato com as fontes mais profundas da consciência coletiva, estão isentos do erro e podem, portanto, arrogar-se o exercício de um poder absoluto. Acrescenta-se a isso que o totalitarismo nasce da negação da verdade em sentido objetivo. Se não existe uma verdade transcendente, cuja obediência permite ao homem conquistar sua plena identidade, também não existe nenhum princípio seguro que garanta relações justas entre os homens: os interesses de classe, de grupo ou de nação opõem-se inevitavelmente uns aos outros. Se não se reconhece a verdade transcendente, triunfa a força do poder, e cada um tende a utilizar ao extremo os meios de que dispõe para impor seu próprio interesse ou sua própria opinião, sem respeitar os direitos dos demais. Então, o homem é respeitado apenas na medida em que é possível instrumentalizá-lo para afirmar seu egoísmo. A raiz do totalitarismo moderno deve ser vista, portanto, na negação da dignidade transcendente da pessoa humana, imagem visível de Deus invisível e, justamente por isso, sujeito natural de direitos que ninguém pode violar: nem o indivíduo, nem o grupo, nem a classe social, nem a nação ou o Estado. Não pode fazê-lo tampouco a maioria de um corpo social, colocando-se contra a minoria, marginalizando-a, oprimindo-a, explorando-a ou até tentando destruí-la.
Ao intervir diretamente, irresponsabilizando a sociedade, o Estado assistencial provoca a perda de energias humanas e o aumento exagerado do sector estatal, dominando mais por lógicas burocráticas do que pela preocupação de servir os usuários com um acréscimo enorme das despesas. De facto, parece conhecer melhor a necessidade e ser mais capaz de satisfazê-la quem a ela está mais vizinho e vai ao encontro do necessitado.
Instrução Libertatis Nuntius (1984)
- O chamado de Paulo VI permanece plenamente atual também hoje: dentro do marxismo, tal como concretamente vivido, podem-se distinguir diversos aspectos e problemas que se apresentam aos cristãos para reflexão e ação. No entanto, “seria ilusório e perigoso chegar a esquecer o vínculo íntimo que une radicalmente tais aspectos, aceitar os elementos da análise marxista sem reconhecer suas relações com a ideologia, entrar na práxis da luta de classes e em sua interpretação marxista sem advertir o tipo de sociedade totalitária e violenta a que esse processo conduz”.
- É verdade que o pensamento marxista, desde seus primórdios, mas de maneira mais acentuada nos últimos anos, diversificou-se para dar origem a várias correntes que divergem consideravelmente umas das outras. Na medida em que permanecem realmente marxistas, essas correntes continuam a se remeter a um certo número de teses fundamentais incompatíveis com a concepção cristã do homem e da sociedade.
Nesse contexto, certas fórmulas não são neutras, mas conservam o significado que receberam na doutrina marxista original. Isso vale também para a “luta de classes”. Essa expressão ainda reflete a interpretação que Marx lhe deu e, portanto, não pode ser considerada como equivalente, de alcance empírico, à expressão “conflito social agudo”. Assim, aqueles que utilizam fórmulas desse tipo, sob a pretensão de conservar apenas alguns elementos da análise marxista, que entretanto seriam rejeitados em sua totalidade, ao menos geram uma grave ambiguidade na mente de seus leitores.
9. Lembremos que o ateísmo e a negação da pessoa humana, de sua liberdade e de seus direitos, são centrais na concepção marxista. Essa concepção contém, portanto, erros que ameaçam diretamente as verdades de fé sobre o destino eterno das pessoas. Além disso, querer integrar à teologia uma “análise” cujos critérios de interpretação dependem dessa concepção ateia significa se enclausurar em contradições arruinadoras. Ademais, o desconhecimento da natureza espiritual da pessoa leva a subordiná-la totalmente à coletividade e a negar, assim, os princípios de uma vida social e política conforme à dignidade humana.
- A luta de classes como caminho para uma sociedade sem classes é um mito que impede as reformas e agrava a miséria e as injustiças. Aqueles que se deixam fascinar por este mito deveriam refletir sobre as experiências históricas amargas às quais ele conduziu.
Instrução Libertatis Conscientia (1986)
Em virtude do segundo, nem o Estado, nem sociedade alguma, jamais devem substituir-se à iniciativa e à responsabilidade das pessoas e das comunidades intermediárias, no nível em que essas possam agir, nem destruir o espaço necessário à liberdade das mesmas.111 Por este lado, a doutrina social da Igreja opõe-se a todas as formas de coletivismo.
Quando o Estado reivindica o monopólio escolar, ele excede os seus direitos e ofende a justiça. É aos pais que compete o direito de escolher a escola à qual enviarem seus próprios filhos, de criar e manter centros educacionais de acordo com suas próprias convicções.
Bento XVI (2005–2013)
Encíclica Spe Salvi (2007)
Marx não falhou só ao deixar de idealizar os ordenamentos necessários para o mundo novo; com efeito, já não deveria haver mais necessidade deles. O facto de não dizer nada sobre isso é lógica consequência da sua perspectiva. O seu erro situa-se numa profundidade maior. Ele esqueceu que o homem permanece sempre homem. Esqueceu o homem e a sua liberdade. Esqueceu que a liberdade permanece sempre liberdade, inclusive para o mal. Pensava que, uma vez colocada em ordem a economia, tudo se arranjaria. O seu verdadeiro erro é o materialismo: de facto, o homem não é só o produto de condições económicas nem se pode curá-lo apenas do exterior criando condições económicas favoráveis.
Ecclesia mater et magistra.